quarta-feira, 8 de abril de 2009

Lei do Piso Salarial Nacional, suas interpretações e conseqüências

A lei n11.738/2008, conhecida como a lei do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, foi sancionada em 16 de Julho de 2008. Foram criadas grandes expectativas para todos os envolvidos na educação básica, que são constantemente desfavorecidos, com seus salários e remunerações achatados e sem qualquer perspectiva de reajustes mínimos. Quanto às condições de trabalho, imaginamos não precisarmos aqui descrever, já que todos os que atuam nas escolas têm noção da realidade. A expectativa maior talvez estivesse em verificar se, enfim, o governo Luís Inácio começaria a colocar em prática algumas de suas promessas de campanha.

Ocorre que a referida lei tem sido objeto de polêmica em todos os âmbitos: pelos que resistem a ela, apontando-lhe caráter inconstitucional; pelos que desejam um piso salarial minimamente decente, apontando-lhe um caráter de achatamento “legalizado” dos salários dos trabalhadores em educação, o que impõem maiores dificuldades na luta por nosso reconhecimento. E, enfim, pelos que a defendem e propagandeiam. Os sindicatos que representam os trabalhadores em educação e a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), vinculados à CUT, têm levantado a bandeira de que a lei seja aplicada, tal como está e, sendo assim, seria “muito boa para nós”, objeto de “nossa valorização profissional”.

Mas, afinal, o que diz a referida lei, como tem sido interpretada e quais os parâmetros que nos apontam ser ela boa ou ruim? É preciso, assim, conhecermos o texto da lei, atentando-se para alguns detalhes que não deveriam passar desapercebidos por nenhum de nós. Em seguida, devemos observar os fundamentos da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) proposta pelos governadores dos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará e a interpretação feita pelo Supremo que ocorre porque o texto original deixa espaço para isto. E, enfim, buscarmos a resposta: “o que seria o justo, o mínimo necessário?”, “o que realmente apontaria o início da valorização da educação pública?”

A Lei: a propaganda inicial

Façamos os apontamentos iniciais da lei, atentando para os pontos principais:
- A lei se refere aos profissionais do magistério, ou seja, aqueles que desempenham tarefas estritamente pedagógica, não abrangendo o pessoal de secretaria e os auxiliares de serviços gerais.
- A lei fala em “piso salarial nacional”.
- O valor mínimo deste piso seria de R$950,00, pago referente a 40 horas semanais, colocada como carga horária máxima (para até este valor). Isto seria o valor pago a quem possui a formação em nível médio (magistério).
- Assim, “os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado” (parágrafo 3o do art. 2o ).

Daí, concluímos: em Minas Gerais, os profissionais com formação em nível médio, se o governo de MG seguir a lei tal como ela é, não receberão R$ 950,00, mas R$ 570,00, já que a carga horária aqui é de 24 horas semanais. (Ou alguém imagina que o governo, que não paga nem o que é obrigatório, pagará, por 24 horas, o que a lei define que deveria pagar por 40 horas?).
Isto, a princípio, parece melhorar um pouco nossa situação, já que o piso aqui é de R$ 336,00, para o nível médio e elevaria um pouco o piso salarial. Mas a lei não define tudo tão simplesmente assim.

- No art. 3o define que:
II – a partir de 1o de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 da diferença entre o valor referido (no nosso caso, R$ 570,00) (...) e o vencimento inicial da carreira vigente (no nosso caso, R$ 336,00)
Ou seja, o piso deveria passar, a partir de 1o de janeiro de 2009, para R$ 492,00.
Ocorre que, no parágrafo segundo seguinte, diz: “até 31 de dezembro de 2009, admitir-se-á que o piso salarial profissional nacional compreenda vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título”, com o objetivo de atingir o valor mínimo do piso. No nosso caso então, poder-se-á aglutinar ao valor do piso atual, valores referentes à VTI, aos biênios e aos qüinqüênios que já fizermos jus para se atingir o valor de R$ 570,00. Os valores deste período ficariam definitivamente “perdidos”.

O que questionamos no período da greve do ano passado foi: a partir de 1o de janeiro de 2010, já tendo sido perdidos os valores das “vantagens” para se atingir o piso de R$ 570,00, teremos a garantia de que, os valores dos biênios e qüinqüênios a que fizermos jus posteriormente, incidirão sobre este valor?

O que a lei traz de avanço?

O aspecto positivo da lei é o estabelecimento de um limite de 2/3 da carga horária destinada ao trabalho de “desempenho das atividades de interação com os educandos”, definindo que 1/3 desta seja destinada às atividades de planejamento.
A interpretação do Supremo: de onde vem?

Todos devem ter percebido que não ocorreu, até agora, nenhuma mudança em nossos contra-cheques. Isto ocorre por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque, como diz o velho ditado popular, o que estes governos “falam, não se escreve”. Em outras palavras, o playboy Aécio, não cumpriu o acordo de greve que foi de aplicar a lei, alterando, ao menos, o piso salarial, o que, conforme já pudemos perceber, não alteraria nossa remuneração, já que aglutinaria as “vantagens”. Mas, nem isso fez. É ao menos isso o que diz a diretoria do sind-UTE nas reuniões com professores.

Outro possível motivo, talvez seja o fato de que, tramita no Supremo a ação de inconstitucionalidade movida pelos governadores dos estados acima citados. Inconstitucionalidade esta, que até agora, não vimos.

O Supremo Tribunal Federal, em 17 de dezembro de 2008, julgou os pedidos, deferindo-os parcialmente. Entendeu, assim que:
- Todo o cálculo das obrigações referentes ao piso deve ocorrer tendo como marco inicial a data de 01 de janeiro de 2009 e não 17 de julho de 2008.
- Fica suspensa a obrigatoriedade do limite máximo de 2/3 da carga horária destinados às atividades em sala de aula. O único ponto favorável ao nosso bom desempenho profissional, não existe mais.
- Já a partir de janeiro de 2009, deve ser garantido que nenhum profissional do magistério da educação básica receba remuneração inferior a R$ 950,00, admitindo aí incluir os valores de gratificações e/ou outras “vantagens” remuneratórias para se atingir este valor, até o julgamento definitivo da ação. Era, justamente acerca deste ponto que alertávamos no período da greve. E, não nos enganemos, o Supremo não “inventou” isto: a própria lei deixa brechas para esta interpretação. Quanto à carga horária e ao pagamento proporcional à carga horária de 40 horas, permanece tal como era. Ou seja, a obrigatoriedade, na rede estadual de educação é do pagamento de R$ 570,00, como remuneração, para quem possui a formação em nível médio. Daí, perguntamos: o que mudará em nossos contra-cheques, em nossa remuneração? Colocar-se-á uma pá de cal nos salários miseráveis da educação básica e ainda teremos que “agradecer” aos governos e pedirmos desculpas à população por termos que continuar a trabalhar em dois/três horários para nos sustentarmos e às nossas famílias. Tudo continuará tal como está (ou pior; é possível?), com a diferença de que a propaganda demagógica de valorização da educação, do educador, blá, blá, blá... foi gritada aos quatro ventos, sem que ninguém desmentisse. Deveremos “obrigação” a quem pisa em nós.
- Talvez, em função da “maravilhosa” conseqüência demonstrada no item acima, o cronograma estipulado no art. 3o da Lei, segundo decisão do Supremo, deverá ser obrigatoriamente respeitado, acrescentando-se, a partir de 01 de janeiro de 2009, 2/3 da diferença entre o valor do piso e o vencimento inicial da carreira. Ocorre, apenas que, a partir daí, definitivamente, as “vantagens” estarão integradas ao piso, constituindo-se, o próprio piso, em remuneração.

E então? A lei é boa?

O primeiro aspecto da lei que devemos ter claro é que ela se refere apenas a professores e especialistas do magistério, não atende, portanto, todos os trabalhadores em educação.
Além disso, valeria à pena fazermos o levantamento dos pisos salariais da educação em cada estado e município do Brasil. Isto nos possibilitaria enxergarmos melhor o quanto a referida lei achata nossos parcos salários. Como parâmetros de comparação podemos começar por observarmos os salários-base dos municípios da região metropolitana como a rede de Belo Horizonte, Contagem, Betim, etc. Os profissionais destas redes recebem bem ou nós que recebemos extremamente mal? As justificativas para a defesa desta lei baseiam-se, muitas vezes, nos salários pagos em estados do nordeste e norte do país. Mas nós sabemos, em números, os salários e remunerações pagos lá? E mais, o justo é nivelar por baixo? (E tão baixo?). Isto é valorizar a educação pública?

Somente para termos uma idéia, recorramos à constituição do país quanto aos critérios para se definir o salário mínimo (para qualquer trabalhador). O valor calculado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos), segundo o qual se define que, se o valor do salário mínimo estabelecido pela constituição fosse corrigido, deveria hoje estar em torno de R$ 2.141,18 (valor relativo ao custo de vida de Dezembro de 2008). Para maiores esclarecimentos, ver matérias do jornal A Nova Democracia, quanto aos critérios usados para se estabelecer o salário mínimo em 1938. O interessante é que não há nenhuma Ação de Inconstitucionalidade tramitando no Supremo a este respeito! E nós, trabalhadores em educação, rimos quando se faz referência a este valor, classificando-o como “ilusão” (e talvez seja no sistema social em que vivemos...)

Ocorre que, este salário não deveria ser visto como um sonho. Se tivermos o mínimo de consciência quanto à importância do nosso trabalho e o de qualquer membro das classes verdadeiramente produtivas, compreenderemos que deveríamos ser mais atentos aos nossos direitos mínimos, não aceitando, ao menos, sermos usados para propagandas eleitoreiras, tais como a que se faz em torno da referida “lei do piso”. O cálculo do DIEESE não aponta para “ganhos”, mas para o mínimo necessário. Deve servir apenas para enxergarmos nossas perdas recorrentes diante do que já era mínimo.

Então? O que queremos?

Aceitaremos a “pá de cal” em nossos parcos salários, “para todo o sempre”, achatados?


Nota, segundo site do DIEESE:
Salário mínimo nominal: salário mínimo vigente.
Salário mínimo necessário: Salário mínimo de acordo com o preceito constitucional "salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim" (Constituição da República Federativa do Brasil, capítulo II, Dos Direitos Sociais, artigo 7º, inciso IV). Foi considerado em cada Mês o maior valor da ração essencial das localidades pesquisadas. A família considerada é de dois adultos e duas crianças, sendo que estas consomem o equivalente a um adulto. Ponderando-se o gasto familiar, chegamos ao salário mínimo necessário.

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