terça-feira, 7 de abril de 2009

Carta de Curitiba

CARTA DE CURITIBA
MANIFESTO APROVADO NO I ENCONTRO NACIONAL CLASSISTA DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, REALIZADO EM 29 E 30 DE NOVEMBRO DE 2008 NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ.

A crise econômica e suas conseqüências para a educação no Brasil

O sistema capitalista-imperialista passa por uma longa e profunda crise, motivada pela superprodução de mercadorias. Karl Marx, no final do século XIX, demonstrou que o capitalismo, com o seu antagonismo inconciliável entre a necessidade de acúmulo de capital –gerando aumento da capacidade produtiva do sistema -, e a necessidade de reduzir o valor da força de trabalho, gerando o rebaixamento do poder de compra do proletariado, traz consigo as crises. Esta atual crise, diferente das outras, vem se estendendo continuamente, com períodos cada vez mais curtos de recuperação e mais longos de recessão, sobretudo a partir da grande crise que atingiu toda a economia mundial imperialista nos inícios dos anos 1970.
Nos últimos 20 anos houve um grande volume de crédito injetado na economia mundial com o intuito de fazer escoar a produção e “aquecer” a economia, principalmente dos países imperialistas. Esse fenômeno criou uma situação insustentável, pois o volume de moeda circulando não correspondia ao volume do que era produzido no mundo. No final de 2008, com o estouro da “bolha” das hipotecas sub-prime evidenciou-se essa situação e a partir daí a crise, que já se desenhava há alguns anos ficou incontrolável. Exemplos claros são a quebra do setor financeiro mundial (salvo pela ação escandalosa dos governos imperialistas, que injetaram quantias exorbitantes de recursos públicos para salvar banqueiros e outros grandes empresários), crise do setor automobilístico e as demissões em massa em todo mundo, principalmente no USA o epicentro da atual crise.
No Brasil, onde o capitalismo se desenvolveu de forma atrasada, toda dinâmica do capital que aqui se instala é subserviente aos interesses do capitalismo mundial. Nesse sentido, todo o atual discurso do governo de que a crise não atingirá o país, não passa de demagogia, a ponto de afirmar que os efeitos dessa crise não passam de “marolinha”. Contudo, a realidade é bem diferente. Em dezembro de 2008 segundo dados apontados pelo próprio ministro do trabalho Carlos Lupi o país perdeu 600.000 empregos, o que será agravado com as demissões na GM (General Motors) e na Vale. Números apontam para uma redução na atividade industrial de 2009 em torno de 13,5%.

Nesse contexto, torna-se evidente que quem vai pagar por esta crise são os trabalhadores. Os patrões e o governo já anunciam medidas de mais cortes de direitos (com o discurso que tais medidas são necessárias para manter os postos de trabalho). Para o orçamento de 2009, os recursos para o ministério da educação foram cortados em R$ 1,1 bilhão e os de Ciência e Tecnologia tiveram o corte de R$ 1 bilhão. Em 2008 apenas 22% do orçamento geral da união foram utilizados, no caso da educação apenas 27,9% do orçamento foram aplicados. Esses dados evidenciam a crescente política de sucateamento dos serviços públicos no país, penalizando, sobretudo, a parcela mais pobre dos trabalhadores brasileiros. Ao mesmo tempo verifica-se que a remessa de lucros para o exterior nunca foi tão grande na história do Brasil e o lucro obtido pelos bancos atingiu recorde histórico.




A realidade da educação pública no Brasil

No Brasil os efeitos da crise imperialista repercutem de maneira muito forte na educação pública. São décadas e mais décadas de sucateamento, abandono e desmantelamento da escola pública brasileira, além de uma política crescente de arrocho salarial que impõe ao conjunto dos trabalhadores em educação uma carga horária de trabalho que extrapola sua capacidade física, prejudicando a qualidade do ensino e deixando estes trabalhadores doentes.
A cada governo que passa a situação se agrava. Apesar das propagandas, facilmente se percebe o total descaso com a educação. A realidade demonstra uma infra-estrutura insuficiente para atender as reais necessidades de aprendizagem de grande parcela dos filhos e filhas da classe trabalhadora brasileira. Nesse sentido, falta material didático adequado, equipamento escolar, valorização e capacitação profissional. Um dado revoltante é o valor repassado para merenda dos alunos que chega, em alguns estados, a cifra de R$ 0,15 míseros centavos por aluno.
Contudo, defendemos que, mesmo nessa situação precária em que se encontra a escola pública brasileira, ela é um importante espaço de disputa, de luta de classes, onde devemos também fazer a resistência e a denúncia da situação por que passam os trabalhadores. Ela, apesar de não deixar de ser um aparelho ideológico do Estado, porém, as contradições de classes existentes em seu interior, também nos possibilitam organizar as lutas democráticas e conseqüentes das classes populares. Além disso, a escola também é um espaço onde o conhecimento científico pode ser difundido de maneira justa auxiliando no processo de elevação da consciência política dos setores da classe trabalhadora que estão inseridos no cotidiano das escolas.
Entendemos ser a escola publica um importante espaço de luta, porém sem a ilusão de que a educação por si só é capaz de transformar a realidade social. Temos a convicção de que somente com a organização de uma nova sociedade é que teremos de fato uma educação a serviço da classe trabalhadora, por isso entendemos ser a luta pela destruição de todo o sistema capitalista nosso principal objetivo e que a educação, no seio da escola pública, deve servir a este propósito.

O anti-cienfiticismo e a difusão do materialismo histórico-dialético

No campo educacional, verifica-se atualmente a hegemonia das pseudo-teorias “deflacionárias da verdade” (pós-modernas), que primeiro negam a possibilidade de conhecer objetivamente a realidade, depois negam a possibilidade de conhecimento desta em sua totalidade e, por último, negam sua própria existência. Estas teorias, com bases filosóficas idealistas e empiristas, ou ambas, não passam, de fato, das formas da burguesia tentar “maquiar a realidade”, e, consequentemente, impedir a busca por formas objetivas de sua interpretação.
Afinal, se não se sabe como é a realidade, esta nunca poderá ser alterada, ou ainda, se esta não existe de forma objetiva, existem somente formas de enxergá-la e, se assim é, na realidade justifica-se como verdadeira qualquer tipo de interpretação. Num mundo como este, a escola vira local de “convívio social” e o professor mero “incentivador de aprendizagens”. As conseqüências são a organização de uma escola que prioriza o “cultivo de saberes e culturas”, em contraposição ao ensino do conhecimento científico acumulado pela humanidade. No limite, não há necessidade de professor, como exemplifica modalidades como o ensino à distância e coisas do gênero.
Evidentemente ao proletariado esta forma de pensar não serve, pois há a necessidade, para estes, de outro mundo. A escola que interessa ao proletariado, portanto, é aquela que se paute em outra visão, que parte do pressuposto que o mundo existe independentemente da sua consciência e que este tem que ser entendido objetivamente para também ser transformado. Para tanto necessita-se de conceitos científicos e da presença de professores(as) com o domínio de conceitos científicos que lhes permitam a realização de um trabalho consciente capaz de socializar as teorias científicas construídas ao longo da história.
Além da atuação no âmbito da escola institucional um outro possível e necessário campo de atuação para todos aqueles educadores progressistas, é a participação nos trabalhos de educação popular, através do desenvolvimento das escolas populares. O propósito destas escolas, sinteticamente falando, é, além da transmissão do conhecimento científico, a politização das massas trabalhadoras, a partir da elevação da sua consciência política e do incentivo ao trabalho coletivo, a cooperação mútua e a solidariedade, em contraposição ao individualismo tão presente na sociedade capitalista.
Dessa maneira, defendemos o materialismo histórico-dialético, por este se basear no conhecimento concreto da realidade para poder explicá-la e explicando-a nos permite transformá-la. Seguimos o principio formulado por Marx em sua 11ª Tese contra Feuerbach que diz: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.

Avançar com a luta sindical: combater o oportunismo e defender o classismo

Diante dos pontos levantados até aqui é que notamos a urgente e necessária organização das lutas dos trabalhadores, em nosso caso, dos trabalhadores em educação. Tal organização deve ser combativa, independente e classista, desenvolvendo de forma desatrelada do Estado, dos patrões e dos interesses de partidos políticos eleitoreiros.
Compartilhamos do principio de Lênin segundo o qual: “combater o imperialismo sem combater o oportunismo, não passa de fraseologia oca”. De acordo com sua tese, o oportunismo faz parte da estrutura de dominação imperialista, pois a burguesia tem que comprar uma parte do proletariado para levar a cabo, ao longo do tempo, a sua dominação. Portanto, afirmamos ser o fenômeno do oportunismo, na atual conjuntura nacional e mundial, o perigo principal a ser combatido.
Os últimos vinte e cinco anos se caracterizaram pela hegemonia de correntes oportunistas no movimento sindical brasileiro, particularmente no movimento de trabalhadores em educação que ficou durante muito tempo a reboque dos projetos eleitoreiros do PT, tendo sido a CUT a sua principal correia de transmissão.
A partir de 2003, com o PT e a própria CUT fazendo parte da gerência do Estado foi desmascarada toda a política de conciliação de classes e de traição aos trabalhadores brasileiros, que em anos anteriores ficava escondido atrás de discursos e práticas demagógicas, que afirmavam que somente a partir de um governo “popular” (entenda-se Lula Presidente) seria possível levar a cabo as transformações sociais necessárias no Brasil, o que excluía a necessidade de um processo de organização independente e a luta direta dos trabalhadores.
Com tal desmascaramento da CUT e de seu projeto eleitoreiro, a partir de 2006 houve uma retomada de movimentos grevistas em todo o país (metroviários, bancários, professores universitários, correios...) e alguns sindicatos romperam com esta central governista, o que possibilitou vislumbrar novos horizontes de atuação na luta sindical. Porém esse processo não rompeu completamente com a concepção do sindicalismo corporativo e ligado a projetos políticos eleitoreiros de outras correntes.
Nesse sentido, nossa proposta para organização do movimento dos trabalhadores em educação parte dos seguintes princípios:
Superar a consciência de categorias profissionais e mesmo da soma de categorias. Compreendemos que somos todos uma só e única classe de explorados e que as classes exploradoras exercem o poder de Estado através das leis, do parlamento, da justiça burguesa, da repressão policial-militar e da política de governo para impor e manter sua dominação.
Romper o economicismo desenvolvendo o trabalho de massas nas esferas política, ideológica, cultural e orgânica suplantando o caráter meramente reivindicativo e apontando para a radicalização da luta em defesa do socialismo. Assumimos o sindicalismo como organização de caráter de resistência econômica das massas trabalhadoras e como escolas da luta de classes.
Organizar os trabalhadores nas suas unidades de trabalho. Compreendemos que a organização das lutas não pode ficar restrita ao interior dos sindicatos, com decisões tomadas somente de “cima para baixo”, o que alimenta a burocracia sindical e uma visão deturpada da base frente aos objetivos da luta sindical e de sua própria participação na luta. Por isso, defendemos a formação de coletivos no interior de cada escola que tenha por objetivo organizar de forma combativa os trabalhadores destas unidades.
Repudiar e denunciar o atual processo eleitoral. Compreendemos que os atuais processos eleitorais não passam de um disfarce para a Ditadura da Burguesia persistir sobre a classe trabalhadora. Entendemos que a tática mais pertinente a ser utilizada em relação ao atual processo eleitoral é a denuncia do caráter de classe do Estado Brasileiro, não alimentando qualquer ilusão de que seja possível “transformar por dentro” esse Estado. Assim, entendemos ser a mobilização dos trabalhadores em suas lutas diretas, o principal instrumento de transformação da sociedade, seja em período eleitoral ou não.

O Movimento Classista dos Trabalhadores em Educação e a Revolução Brasileira
Pelo que já foi apontado nesta carta, não é difícil defender a necessidade de um Movimento Classista dos Trabalhadores em Educação. Um movimento que busque a articulação da luta da categoria com os outros setores organizados dos trabalhadores. Que auxilie na construção de um programa que apóie e defenda não só as lutas imediatas da categoria, mas também a luta pela transformação radical de nossa sociedade. Esta tarefa não é fácil, contudo é necessária se não quisermos cair no idealismo ilusório.
Por isto, conclamamos os trabalhadores em educação para o estudo sistemático, a organização e a luta. Nada neste mundo tem sido fácil para as classes exploradas e oprimidas. Mas somente através desse caminho conseguiremos construir uma escola que não nos trate como meros repetidores de fórmulas prontas e ou de “cuidadores de alunos” cujos pais mandam seus filhos a esta por falta de outra opção. Somente assim, poderemos ter uma escola que sirva aos verdadeiros interesses dos trabalhadores capaz de transmitir-lhes o conhecimento científico e filosófico historicamente acumulado e de produzir novos conhecimentos necessários para a transformação social e para a construção de uma vida digna e feliz.

Curitiba, 30 de novembro de 2008.

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