sábado, 19 de dezembro de 2009

PEDAGOGIA REVOLUCIONÁRIA

Makarenko: Os desafios da construção de uma proposta de educação emancipadora numa sociedade em transformação
Cezar Ricardo de Freitas
Professor do curso de pedagogia (UNIOESTE-PR)

A obra de Anton Semionovich Makarenko (1888-1939) precisa ser analisada a partir da Revolução de Outubro de 1917, onde a União Soviética se destaca como a primeira tentativa concreta de construir uma sociedade voltada para o pleno desenvolvimento do ser humano e, portanto, de construção de uma proposta socialista de educação, em contraponto à forma como a educação se apresentava na sociedade capitalista.
Buscar entender a experiência de Makarenko nos ajuda a compreender as possibilidades de desenvolvimento de uma Educação Integral. O fato de ser considerado o “símbolo” de uma educação socialista nos indica a existência de uma pedagogia distinta e, por isso, é preciso buscar os elementos dessa construção.
Makarenko, como pedagogo, destaca-se a partir das realizações que fez em uma colônia destinada ao atendimento de jovens delinqüentes, a Colônia Gorki (1920-1928), que ocorreu em três locais: Poltava (1920-1923), Trepke (1923-1926 e Kuriaj (1926-1928) (LUEDEMANN, 2002, p. 119). Foi um dos pioneiros a introduzir a co-educação no ensino, contrariando as tendências pedagógicas de sua época, que separavam os homens das mulheres (CAPRILES, 1989, p. 98). A presença feminina foi um elemento a mais na construção de um coletivo com um senso de humanismo ainda mais profundo (LUEDEMANN, 2002, p. 146).
O aumento da criminalidade infantil no período da Guerra Civil (1918-1920) tinha se tornado um fator de desestabilização da paz social, forçando o Governo Revolucionário a tomar algumas medidas para enfrentar o problema. A primeira medida foi a transferência do sistema correcional de menores do âmbito da administração judicial para o setor de educação. A segunda foi a criação de uma colônia ou de uma escola de trabalho e educação social, ao invés de um reformatório. Em setembro de 1920 Makarenko foi convidado para dirigir essa primeira colônia experimental (CAPRILES, 1989, p. 80).
Era preciso, então, recuperar os jovens através do trabalho educativo. Era preciso criar um “novo” homem a partir de uma nova pedagogia (MAKARENKO, s/d, p.12). Este “novo” homem deveria ter como característica fundamental o sentimento de coletividade, que se coloca como meta fundamental da educação, mas, é, ao mesmo tempo, a expressão de sua experiência na Colônia Gorki.
As dificuldades enfrentadas por todos na colônia, desde a fome e a falta de recursos, contribuíram para que educadores e educandos - estes sem outros laços familiares – se tornassem um imenso coletivo. Os roubos de mantimentos e de instrumentos que ocorriam na colônia e a violência entre os educandos eram encarados por Makarenko como um dos maiores obstáculos a serem enfrentados, pois caracterizavam a expressão de interesses individuais em detrimento do coletivo. Vencer essas barreiras não era apenas uma condição para a sobrevivência material da colônia, numa época de escassez, mas era o seu próprio objetivo educacional.
Para Makarenko o princípio de coletividade apenas poderia existir numa sociedade socialista (CAPRILES, 1989, p. 163). Portanto, afirmava que na sociedade burguesa as qualidades da personalidade humana eram outras e, por isso, a educação burguesa era destinada à formação da individualidade, com responsabilidades também individuais para a sobrevivência. Na sociedade soviética, por sua vez; seria diferente, uma vez que existiria uma cadeia de dependências completamente distinta, própria dos membros de uma sociedade para além de uma simples multidão. Na medida em que transcorreria a vida nesta sociedade, as pessoas se desenvolveriam como membros de uma coletividade (MAKARENKO, 1975, p. 109-110). Para Makarenko o coletivo é um organismo social vivo e, por isso mesmo, possui órgãos, atribuições, responsabilidades, correlações e interdependências entre as partes. Se tudo isso não existe, não há coletivo, há uma simples multidão, uma concentração de indivíduos. (MAKARENKO, apud CAPRILES, 1989, p. 13).
A educação tem um significado amplo para Makarenko, extrapolando a dimensão da instrução escolar. Assim, a idéia é de uma Educação que retira a centralidade unicamente da sala de aula, mas “Ao contrário de negar a escola, a pedagogia de Makarenko reconhece a força social e revolucionária dessa instituição social, principalmente sob influência das organizações revolucionárias da classe trabalhadora (LUEDEMANN, 2002, p. 19).
A Colônia Gorki ao ser tomada como referência de um trabalho coletivo, não estava desvinculada dos interesses mais amplos da Revolução Soviética, ao contrário, a dimensão política de uma sociedade, que tinha como objetivo atingir o comunismo, encontrou um espaço privilegiado para se desenvolver, tendo em vista a centralidade da preocupação coletiva. Ao ter a sua vida praticamente circunscrita às atividades da Colônia, os educandos receberam uma formação que visava o desenvolvimento das diversas potencialidades humanas: produtiva, ao participar ativamente do trabalho; artística e cultural, ao propiciar as diferentes atividades realizadas dessa natureza; política, ao desempenhar práticas de coletividade, de organização e de decisão; todas articuladas aos interesses que a Revolução tinha inaugurado.
A acusação feita por alguns autores de que Makarenko tem pouco a dizer a respeito da escola, parte da constatação de que sua elaboração teórica não é produto de experiências de uma escola organizada na forma como a concebemos tradicionalmente. O que escreveu, no entanto, caberia plenamente aos objetivos não somente escolares, mas à educação no seu sentido mais amplo, que era o objetivo colocado ao novo momento histórico na Rússia, ou seja, a preocupação de que a escola se articulasse aos anseios revolucionários, a construção de uma sociedade, onde o pleno desenvolvimento humano teria que ser conquistado. Poder-se-ia pensar, inclusive, em uma nova formatação das instituições escolares para uma nova sociedade em construção. O fato de trabalhar com menores infratores, órfãos em grande parte, é um diferencial. Isso, no entanto, não desqualifica suas realizações, quando relacionadas com a escola “normal”, principalmente se comparadas com as dificuldades enfrentadas pelas famílias para com a educação de seus filhos, preocupação que já era grande naquele período.

Referências:
LUEDEMANN, C. Anton Makarenko: vida e obra – a pedagogia na revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2002.
CAPRILES, René. Makarenko: o nascimento da pedagogia socialista. São Paulo: Scipione, 1989 (Pensamento e ação no magistério).
MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema pedagógico. s/d, sem mais referências.
____. Problemas de la educación escolar soviética. Moscou: Progresso, 1975

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