sábado, 19 de dezembro de 2009

VIOLENCIA E EDUCAÇÃO

A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
Luiz Carlos de Freitas
professor de história

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.
Bertolt Brecht

Não é raro, hoje em dia, assistirmos nos noticiários, lermos em jornais ou revistas e até mesmo presenciarmos cenas de violência dentro das escolas. Nossa primeira reação é de indignação contra o indivíduo agressor, haja vista que principalmente na televisão, não nos é dado informações mais abrangentes e nem tempo para que consigamos formular uma interpretação mais aproximada da realidade do fato ocorrido. No caso da imprensa escrita, apesar de nos deixar mais livres para refletirmos em um espaço de tempo que, em tese, pode ser definido por nós mesmos e trazer uma quantidade maior de informações, também não nos permite ir além dos limites impostos pela ideologia capitalista, segundo a qual, o indivíduo é o único responsável pelos seus atos. Quando muito nos fazem pensar que se mudarmos os políticos, através do voto consciente, colocando no poder aqueles que se preocupam com a educação, mudaremos a situação.
A grande questão que precisamos refletir, e que, a grande mídia não nos proporciona elementos teóricos para isso, é sobre a origem da violência para então, compreendermos suas diversas manifestações. Para compreendermos esta questão é preciso definirmos, primeiramente, o que é a violência.
A frase de Brecht , na epígrafe desta página nos apresenta uma mostra de quão difícil é perceber a sutileza da violência institucional, provocadora das mais variadas formas de violência com as quais nos defrontamos em nossa sociedade e em nossas escolas. Estas formas de violência, apresentados pela mídia e presentes em nosso dia a dia , nas ruas, bairros e escolas onde trabalhamos, são apenas as águas do rio, cuja as margens cada vez mais diminuem seu espaço, tornando-as mais agressivas.
Numa pequena volta por qualquer cidade de médio e grande porte em nosso país, podemos observar dezenas ou centenas de pessoas que muitas vezes são invisíveis para nós. Catadores de lixo, moradores de rua, pedintes, drogados, deficientes, entre outros, tornam-se cada vez mais comum em nossa sociedade. Além desses temos também os que trabalham na informalidade ou com carteira assinada, porém, com o que ganham não conseguem garantir uma vida digna para si e para suas famílias. São os filhos e filhas deste grupo que recebemos diariamente nas escolas públicas de nosso país, são também eles que, convivendo com a violência na sociedade, a reproduzem no interior das escolas. Aqui não estamos dizendo que todos os estudantes oriundos da classe pobre, que estão nas escolas públicas, sejam pessoas violentas, apenas estamos tentando demonstrar que o problema da violência escapa a qualquer solução que não leve em consideração a questão social. Neste sentido podemos afirmar que a violência não é, de fato, apenas o que nos apresenta a mídia ou até mesmo o que vemos em nosso dia a dia. Ela é muito maior que isso, ela está intrincada no sistema divisor entre capital e trabalho, colocando a maioria do povo em condição de semi-escravidão
Nesta direção entendemos que o modelo econômico, político e social no qual estamos inseridos têm, em sua essência, a violência institucionalizada, legalizada. O Estado capitalista é o braço político, cuja finalidade é manter funcionando o modo de produção. Este modo de produção tem como finalidade a garantia infinita de lucros para a classe detentora do capital que, por sua vez, também domina o poder político. Em decorrência desta questão podemos então nos perguntar: Seria possível acabar com a violência, combatendo o indivíduo que a comete? E qual o papel que a escola pode desempenhar nesta questão? Considerando que todos os dias, desde a hora em que se levanta, o povo pobre, trabalhador, é violentado pelo sistema capitalista, começando com a violência de um transporte coletivo de péssima qualidade, passando pela violência de trabalhar várias horas por dia sabendo que ao final do mês não receberá um salário decente que garanta sua qualidade de vida, sem contar da violência cometida por patrões ou chefes que assediam moralmente seus subordinados. Se ficar doente, mais uma vez é violentado por um serviço de saúde de má qualidade; quando volta para casa, mais uma vez a violência do transporte lotado e ao chegar em casa, se sobrar tempo, ainda será violentado pela televisão que o coloca como fracassado, por não ter estudado e vencido na vida.
Diante de tanta violência contra os trabalhadores, como esperar algo diferente dentro de nossas escolas se são estes mesmos trabalhadores ou os filhos destes que irão freqüentar por algumas horas uma sala de aula? Cabe lembrar ainda a violência presente nas condições de trabalho nas escolas, tais como, salas super lotadas, profissionais mal remunerados, desmotivados, sem muitas alternativas pedagógicas e sem tempo para estudar e preparar suas aulas. Somos todos vítimas, professores e alunos, dentro de um mesmo barco que está afundando.
Levando em consideração a dimensão do problema da violência nas escolas percebemos nossa impotência, enquanto educadores, em resolver tal situação. Portanto cabe a nós, primeiramente, ter a clareza, de que o problema é da sociedade e não da escola. Daí que, se não solucionarmos os problemas sociais não teremos condições de realizar nossa tarefa principal que é a transmissão do conhecimento científico, historicamente acumulado pela humanidade. Solucionar os problemas sociais passa pela necessidade de mudança no tipo de economia que vivemos, isto é, é preciso mudar a lógica da produção atual que objetiva exclusivamente a garantia dos lucros para um pequeno grupo, para um tipo de economia planificada, cuja produção é pensada para garantir o suprimento das necessidades de todos os seres humanos. Tal mudança só poderá ocorrer com uma revolução que tire o poder político das mãos da classe burguesa, passando-o para os trabalhadores, pois são estes os que de fato necessitam da mudança estrutural do modo de produção e os que mais sofrem no atual tipo de organização social.
Por outro lado é preciso levar em consideração que, embora não haja solução para o problema da violência nas escolas sem a mudança radical da sociedade, precisamos buscar formas de conviver com ele. Conviver com o problema não significa aceita-lo, mas buscar formas de combates que condigam com a especificidade do trabalho pedagógico. Não cabe em uma escola, por exemplo, a interferência policial para combater a violência, haja vista ser esta uma instituição autorizada pelo Estado a usar da violência em qualquer ação. Violência não se combate com mais violência.
Para finalizar nossa reflexão, voltemos à frase de Brecht e busquemos pensar mais sobre as margens do rio. Tentar estancar a água sem alargar as margens certamente será em vão, pois a força das águas será superior à nossa e ficaremos impotentes diante dela. Por outro lado se temos clareza de que o problema é provocado pelas margens e não pelas águas, embora não consigamos resolve-lo, ao menos nos aponta algumas possibilidades, dentre elas: 1. Não confundir a vítima da violência com o causador da violência; 2. Não nos culparmos, enquanto educadores, pela impotência diante do problema da violência; 3. Buscar formas alternativas para conviver com o problema da violência no interior das escolas; 4. Discutir seriamente a necessidade de integração em movimentos de educadores que tenham, em seu horizonte, a construção da nova sociedade.
O MOCLATE (Movimento Classista dos Trabalhadores da Educação) surgiu e está se construindo a partir desta perspectiva, ou seja, partindo da realidade concreta vivida em nossas escolas, refletir sobre a possibilidade de mudar esta realidade com a clareza da necessidade de superação do capitalismo pela sociedade socialista. Somente nesta sociedade é que teremos de fato a possibilidade de resolver os problemas sociais, dentre eles a questão da violência.

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